O homem que foi um campo de batalha -Nietzsche
- Winicius Gomes
- 29 de jul. de 2016
- 12 min de leitura

Friedrich Wihelm Nietzsche nasceu na Prússia, no dia 15 de outubro de 1844. Sua família era luterana e contava, tanto do lado paterno quanto do materno, com vasta linhagem de pastores protestantes. O pai, Karl Ludwig, responsável pela paróquia do vilarejo de Rocken, veio a falecer prematuramente. A mãe, Franzisk, viu-se então obrigada a transferir com os filhos para Naumburgo. Foi nessa cidadezinha que Friedrich iniciou a educação primária; passou por diferentes escolas e, avesso ao convívio social, parecia não se adaptar a nenhuma. Aos 14 anos, tendo ganho uma bolsa de estudos, ingressou no Colégio Real de Pforta. A falta que sentia da mãe e da irmã Elizabeth era preenchida pelos livros: deixava-se absorver pela leitura horas a fia. Chegou a elaborar vasto plano de estudos, que englobava desde botânica, geologia e astronomia até latim e hebreu. Queria ser pastor como o seu pai e por isso dedicava-se intensamente à teologia. Mas eram sobretudo a música e a poesia que lhe interessavam: começou nessa ocasião a escrever e a compor.
Concluídos os estudos secundários, o jovem Nietzsche inscreveu-se em 1864 na Universidade de Bonn. Contrariando as expectativas da família, decidiu abandonar a teologia. Porque era preciso escolher uma especialização, escolheu filologia clássica.
No ano seguinte, transferiu-se para a Universidade de Leipzig: queria acompanhar os cursos de Ritschl, eminente helenista. Convocado para o serviço militar, sofreu fratura num acidente a cavalo, sendo logo dispensado. Graças a uma estrita disciplina seu desempenho na Universidade foi excelente. Ao terminar o curso, planejava fazer uma longa viagem a Paris; livre das exigências acadêmicas pretendia nutrir-se das mais diversas leituras. Convidaram-no, no entanto, para lecionar na Suíça. Nietzsche hesitou em abandonar seus projetos, mas acabou por entrar na vida profissional.
Contava vinte e quatro anos quando foi nomeado professor de filologia clássica na Universidade de Basiléia.
Foram tranquilos os primeiros tempos de sua estada nessa cidade. Nietzsche frequentava a sociedade local, correspondia-se assiduamente com os amigos mais próximos, e sobretudo entregava-se aos trabalhos. Dava cursos regulares, fazia palestras e dedicava-se intensamente à escrita. Quando a Prússia entrou em guerra contra a França, em julho de 1870, obteve a permissão, junto às autoridades suíças, ara servir como enfermeiro. Apesar de breve, essa experiência deixou marcas em seu espírito. Convenceu-se de que importava mais trabalhar para preservar a tradição cultural do que deixar-se levar pelo alvoroço político da modernidade. Imaginava criar uma espécie de confraria, um convento moderno; deveria ser uma instituição completamente desvinculada do Estado. Dela participaram todos os seus amigos, trabalhando juntos, servindo de professores uns aos outros e dedicando-se à renovação da cultura. Esse projeto não encontrou, porem, receptividade; e retomado em diversas ocasiões, nunca chegou a concretizar-se.
Seu primeiro livro. O nascimento da Tragédia no Espírito da Música foi publicado em janeiro de 1872. Nele, é notável a influencia de dois homens, com quem Havaí entrado em contato ainda quando estudava em Leiozig: Arthur Shopenhaeur e Richard Wagner. Não se trata propriamente de uma obra de filologia, mas sim de considerações filosóficas a respeito da tragédia na Grécia Antiga. Quando de sua publicação, agradou a muito poucos.
Desconcertado, Nietzsche refugiou-se no trabalho: proferir conferências, redigia ensaios e dava seus cursos. Mas se de 1869 a 1872 tinha grande numero de alunos, em 1873 praticamente ninguém apareceu. Por causa de seu livro, fora excomungado do círculo dos filólogos. Certa noite, confessou a um amigo seu desapontamento: em música, poesia e filosofia, não passava de amador; em filologia, era competente mas sentia-se entediado. Com quase trinta anos, nem mesmo tinha uma vocação.
Contudo, continuava a escrever. Desta época datam vários textos que só foram publicados muito mais tarde. Em 1874, teve a ideia de fazer uma série de brochuras polêmicas sobre diferentes temas. Deveriam todas ser editadas com o título: Considerações Extemporâneas. Publicou a primeira, Dadiv Strauss, o Devoto e o Escritor, em agosto de 1873; a segunda, Da Utilidade e Desvantagens da História para a vida, em fevereiro de 1874, e a terceira, Schopenhauear Educador, em outubro desse mesmo ano. Embora tivesse planejado várias outras, concluiu apenais mais uma, a quarta Cichard Wagner em Bayreuth que apareceu em julho de 1876.
As considerações Extemporâneas trazem, todas elas a marca do desafio. Nas duas primeiras, Nietzsche critica de maneira radical a cultura de sua época e, nas ultimas, aponta a filosofia de Schopenhauer e a musica de Wagner como signos anunciadores de uma renovação cultural na Alemanha. Contudo, em 1888, disse na sua autobriografia que, quando então falará de Shopenhauer ou de Wagner, estivera de fat a falar de mesmo. A homenagem prestada aos mestres, nas Considerações Extemporâneas, já tinha sabor de despedida. Nietzsche não queria mais empenhar-se em divulgar ou levar adiante ideias alheia. Refratário a compromissos, desejava empregar sua força e inteligência na busca do próprio caminho; ambicionava tornar-se um “espírito livre”.
Humano demasiado Humano – um lvro para escpirito livres foi publicado em maio de 1879, em comemoração ao centenário da morte de Voltaire, Nietzsche reuniu todas as notas que vinha redigindo há mais de um ano. Eram folhas e folhas cheias de reflexões, aparentemente desconexas, sobre diversos temas. Quis publica-las sob essa forma; escolheu então o aforismo como modo de expressão. Pensou nos enciclopedistas – Voltaire, Diderot – e na sua aversão pelos sistemas filosóficos acabados; lembrou-se dos moralistas franceses Chamfort, La Rochefoucauld e de suas máximas e pensamentos. Uma obra que se apresenta em fragmentos não era necessariamente uma obra fragmentaria. Como apêndices a Humano, demasiado Humano, apareceram no ano seguinte dois outros textos; Miscelânea de Opiniões e Sentenças e o Andarilho e sua Sombra.
1879 foi um dos piores anos na vida de Nietzsche. Dores de cabeça e dores na vista impediam-no, com frequência, de ler ou escrever. Esse tipo de indisposição, que se manifestava desde 1873, parecia gravar-se com o passar do tempo. Sem dúvida, sua saúde deteriorava-se e as obrigações profissionais pesavam-lhe mais e mais. Em maio, decidiu entregar a carta de demissão junto à Universidade. Concederam-lhe uma pensão anual de quatro mil francos, o necessário para viver com modéstia ate o fim de seus dia.
A enfermidade, porém, não o abandonava: enxaquecas, dores na vista, problemas estomacais, acessos de vômito. Seu estado de saúde tornava-se desesperador. Em 1870, Nietzsche atravessou mais de setenta horas de dores ininterruptas, mais de centro e dezoito dias de crises graves. Uma das crises mais violentas de toda a sua existência sobreveio com o final do ano. Mas os primeiros dias da primavera vieram atenuar seus sofrimentos: sentia-se renascer das próprias cinzas. Não mais suportava a dor, aprendera a amá-la. Descobrira “a formula da grandeza do homem”: amor fati. Não evitar nem se conformar e muito menos dissimular, mas afirmar o necessário, amar o que não pode ser mudado.
Durante dez anos, a cidade da Basiléia tinha sido seu ponto de referência. Aí tivera casa, amigos trabalho. Pertencera aos círculos acadêmicos e atacara a senilidade e esterilidade do academicismo; trabalhara no meio universitário e denunciara a erudição e o vazio da universidade. Fora mestre e discípulo e não poupara investidas contra a dependência do espírito. Nunca deixara de ser critico; mas sempre tivera objetivos. Abraçaria agora uma vida errante. Iria percorrer as estradas da Suíça, Itália, França e Alemanha. E sonharia com lugares mais distantes; México, Tunísia, Oriente. Durante dez anos, não se deixaria deter em parte alguma por mais de seis meses. Em fevereiro de 1881, concluía em Gênova a redação de Aurora – Pensamentos Sobre preconceitos Morais; um ano depois, nessa mesma cidade terminava A Gaia Ciência. Estes livros, junto com Humano, demasiado Humano, formavam no seu entender uma cadeia de pensamentos. Consistia no seu exercício enquanto espírito livre. Nele, Nietzsche critica a imposição de normas de comportamento e maneiras de pensar. Examina o papel dos costumes, direito, moral e tradição na vida em coletividade; investiga a educação familiar, cívica, política ou religiosa. E trata ainda de várias outras questões. Pensa sobre as relações entre arte e ciência e escreve a propósito de literatura, musica e poesia. Comenta suas leituras e faz severas críticas à cultura alemã. Analisa sentimentos morais como compaixão, vingança, remorso e culpa. Levanta questões a respeito do casamento e da libertação da mulher, partidos políticos e situação da imprensa, sufrágio universal e exércitos nacionais, segundo Reich e Bismark, democracia e socialismo, desaparecimento das nações e unificação da Europa.
Antes mesmo de elaborar A Gaia Ciência, no inicia de agosto de 1881, Nietzsche viveu uma experiência extraordinária. Na sua busca de novos recantos, descobriu na Suíça, no vilarejo de Sils Maria. Alugou um pequeno quarto e organizou seu cotidiano: trabalhava pela manhã, saia para longas caminhadas à tarde, regressava ao anoitecer com os cadernos cheios de anotações e retomava o trabalho depois do jantar. Certa tarde, ao fazer seu passeio habitual, foi atravessado pela visão do eterno retorno. Tudo retorna sem cessar. Se o universo tivesse algum objetivo, já o teria atingido; se tivesse alguma finalidade, já a teria realizado: Não existe um Deus, soberano absoluto, com desígnios insondáveis. Todos os dados são conhecidos; finitos são os elementos que constituem o universo, finito é o numero de combinações entre eles; só o tempo é eterno. Tudo já existiu e tudo tornará a existir. Atordoado com essas ideias, Nietzsche oscilava entre estados de euforia e depressão; pretendia não participá-las a ninguém de imediato, mas já em A Gala Ciência começou a esboça-las.
Nietzsche não se habituava à solidão: ela lhe pensava e talvez lhe fosse indispensável. Em vão, tentara casar-se. As mulheres por quem se interessava não lhe correspondiam. Em abril de 1882, conheceu em Roma uma “jovem russa”. Sua presença de espírito e a capacidade de escuta atraíram-no; seu ardor intelectual e desejo de vida seduziram-no. Aos trinta e sete anos, apaixonou-se. Embora o pedido de casamento tivesse sido recusado, uma afetuosa amizade nasceu entre eles. Longos passeios, animadas conversas, discussões fecundas. A família de Nietzsche interpôs-se: temia que uma ligação escandalosa viesse a macular sua reputação. Mal entendidos, intrigas, trocas de injurias, calunias. Arrastado por sentimentos contraditórios, ele não sabia mais em quem confiar. Em dezembro, rompeu com todos. Ideias de suicido perseguiram-no; por três vezes, chegou a tomar uma quantidade abusiva de narcóticos.
Completamente desalentado, ainda encontrava forças para escrever. Em fevereiro de 1883, criou em dez dias a primeira parte de Assim Falou Zaratustra – Um livro para Todos e para Ninguém; em julho do mesmo ano, escreveu a segunda parte também em dez dias; e apenas dez dias foram suficientes para redigir, em janeiro de 1884, a terceira; um ano depois elaborou a quarta e última. Para publicar o livro teve de enfrentar vários obstáculos. A primeira parte levou meses para ser lançada; a segunda e a terceira a custo foram impressas juntas, e a quarta categoricamente recusada pela editor. Dela, Nietzsche, sem alternativa, viu-se obrigado a custear uma tiragem de quarenta exemplares. A partir daí, correram por sua conta todas as despesas com publicações. Zaratustra é o anunciador do além-do-homem é o arauto do eterno retorno, é “aquele que sempre afirma”. Se criar é ultrapassar-se, a criatura deve prevalecer sobre o criador. É preciso haver morte para que surja o alem do homem; ele indica a necessidade da superação de si mesmo e com isso aponta para uma nova maneira de sentir, pensar. Avaliar.
A propósito de seu Zaratustra, Nietzsche chegou a escrever a um amigo? “ é um livro incompreensível, porque remete exclusivamente a experiências que não partilho com ninguém” E acrescentou: “Se pudesse dar-lhe uma ideia de meu sentimento de solidão! Nem entre os vivos nem entre os mortos, não tenho alguém de quem me sinta próximo”. De fato, ninguém parecia interessar-se por seus escritos. Sobre eles não se fazia comentário algum nas universidades, não se publicava artigos ou resenha nas revistas. Até em seus próprios país o filosofo sentia-se no exílio.
Naumburgo, Leipzig, Basiléia, Gênoav, Nice, Veneza, Sils Maria, Naumburgo, Peipzig. Assim passavam-se os meses, os anos. De uma cidade a outra, Nietzsche expedia a mala cheia de livros e manuscritos, tudo o que possuía.. Morava em pensões modestas e, por vezes, aceitava a hospitalidade de conhecidos. Apesar da vida errante, em momento algum deixou de ampliar seus horizontes – nem mesmo a enfermidade chegou a ser empecilho.
Estudava os evangelhos e textos específicos sobre o cristianismo: percorria as obras de Heródoto, Tucídides e Platão e, dentre os modernos, Michelet Voltaire e Direrot; deleitava-se com romances de Balzac, George Sand e, sobretudo, Stendhal e Dostoiévski; familiarizava-se com as ciências naturais e biológicas; interessava-se pela psicologia francesa da época e pelos recentes estudos etnográficos . Quando o estado de saúde se agravava, seus olhos não podiam distinguir contornos, percebendo apenas vultos e volumes. Recorria então a um amigo devotado, que lia para ele em voz alta, transcrevia suas ideias e auxiliava-o na revisão dos textos.
No verão de 1885, pensava num profundo remanejamento de Humano, Demasiado Humano, e na publicação de uma nova Consideração Extemporânea sobre Wagner. Não levou adiante nem um projeto nem outro. No ano seguinte, acabou por elaborar um novo livro: Para além de Bem e do Mal – Prelúdio de uma Filosofia do Porvir. Escreveu ainda os prefácios ao primeiro e segundo volumes de Humano, Demasiado Humano, O Nascimento da Tragédia, Aurora e Gaia Ciência, assim como a quinta parte deste último livro. Em 1887, redigiu o Niilismo Europeu, preocupado com a situação da Europa na época; e , durante o mês de julho, elaborou Para uma Genealogia da Moral. Esse texto trazia como subtítulo: “um escrito polêmico em adendo a Para Além de Bem e do Mal como complemento e ilustração”. Nos dois livros, Nietzsche examina como surge os valores e, em particular, os valores morais. Constara que não existem desde sempre, mas são criados a partir de avaliações diferentes geram valores diferentes. Mostra ainda que essas mesmas avaliações podem, por sua vez, ser avaliadas, e aponta para a necessidade de “transvoloroção de todos os valores”.
Durante o ano de 1888, Nietzsche organizou seus últimos textos. Em O Caso Wagner, faz um balanço da obra do compositor, em contrapartida à homenagem que lhe prestara na Quarta Consideração Extemporânea. No Crepúsculo dos Ídolos ou como Filosofar com o Martelo, quer auscultar velhos ídolos – o Estado, as instituições, a moral, o espírito alemão, as ilusões da filosofia, a verdade- mostrar que são ocos e destruí-los a marteladas. No Anticristo, pretende fulminar tudo o que é cristão ou está infeccionado pelo cristianismo. Em Ecce Homo ou Como tornar-se O que Se é, traça um autobiografia: fala da sua história familiar, suas qualidades e necessidades; discorre sobre a doença, o regime alimentar, a escolha do clima e dos lazeres; e considera cada um de seus livros publicados. Nietzsche Contra Wagner, por sua vez, compõe-se de textos extraídos de suas próprias obras: a obra de que, pelo menos, desde 1877, são antípodas, Ditirambos de Dionísio consiste numa coletânea de poemas. Finalmente, A vontade de Potência é um livro que nunca existiu; é por mera convenção que se dá esse nome ao conjunto dos fragmentos póstumos escritos desde 1882 a 1888.
Desde 1873, Nietzsche esteve de alguma forma doente: problemas estomacais, náuseas e vômitos; violentas enxaquecas e insônias frequentes; dores na vista, miopia e sensibilidade à luz. Submeteu-se a inúmeros diagnósticos sem obter uma explicação do seu quadro clínico; seguiu inúmeros tratamentos sem conseguir alteração significativa do seu estado de saúde. Tornou-se, então, o seu próprio medico: buscava as melhores condições climáticas, inventava as mais variadas dietas, tentava toda sorte de drogas: sais, soporíferos, haxixe.
Nos primeiros dias de 1889, uma forte tensão psíquica levou-o a mergulhar no delírio. Tomado por convulsões, passava da agressividade à doçura. Em 10 de janeiro foi internado na clínica psiquiátrica da Basiléia e logo transferido para a de Iena. Mais de um ano depois, em 24 de março de 1890, deixou a clínica sob-responsabilidade da mãe. Seus últimos dez anos de vida, passou-os tutelados pela família. Morreu em Weimar, ao meio-dia de 25 de agosto de 1900.
As causas da enfermidade de Nietzsche não chegaram a ser esclarecidas de modo conclusivo. Alguns afirmavam que a paralisia cerebral se devia a disposições internas, certamente hereditárias; outros sustentavam que as causas eram externas. Aí as opiniões divergiam: tratava-se de uma paralisia ou causada pelo abuso de uma paralisia ou causada pelo abuso de drogas, ou de origens sifilítica.
Houve, porém, aqueles que decidiram colocar o filósofo “no seu devido lugar” e tentaram detectar quais dos seus textos haviam sido escritos sob efeito de drogas; houve também os que se dispuseram a fazer uma reavaliação retrospectiva de suas ideias, à luz do enlouquecimento, e atribuíram diferentes datas à manifestação dos primeiros sintomas da doença mental. Enfim, não foram poucos os que se aproveitaram do estado em que Nietzsche mergulhou, a partir de 1889, para desacreditar a sua obra.
Até setembro de 1888, Nietzsche era praticamente desconhecido. Se a Primeira Consideração Extemporânea teve alguma repercussão, as duas seguintes passaram quase despercebidas. E a Quarta – como ocorreu com o Nascimento da Tragédia – foi sobretudo festejada nos círculos wagnerianos. Humano, demasiado Humano e seus dois apêndices Aurora e a Gaia ciência, só encontraram respostas em cartas de amigos, entusiasmadas, embaraçadas, consternadas. Quanto a Assim Falou Zaratustra – que de seus livros veio a ser o mais vendido – grandes foram as dificuldades para ser publicado. Se para Alem do Bem e do Mal suscitou enfim algumas resenhas, Para uma Genealogia da Moral atraiu as atenções de um professor dinamarquês que decidiu difundir seu pensamento. Nos últimos meses de 1889, o Caso Wagner provocou reações imediatas e os primeiros exemplares do Crepúsculo dos Ídolos chegaram a ser enviados a amigos. Nietzsche fazia contatos para assegurar a tradução de seus escritos. Pretendia lançar o Ecce Homo em 1889 e, daí a dois anos, publicar o Anticristo em sete línguas. Quando começava a ser conhecido, sobreveio a crise que interrompeu suas atividades.
Repetidas vezes, tentara compreender as razoes da indiferença que o cercava. Na correspondência e nos livros, referiu-se ao silencio que pesava sobre sua obra, a solidão que envolvia sua vida. Raros amigos, escassos leitores. Nos últimos textos, acreditava ter nascido póstumo; seus escritos antecipavam-se àqueles a quem se destinavam.
Dirigindo-se a um publico por vir, de uma época só poderia esperar não entendimento ou descaso. Passava do desalento à esperança. Parecia oscilar entre a promessa da posteridade e a impossibilidade do presente.
Antes de tudo, não queria ser confundido. Que antissemitas e anarquistas reclamassem dele causava-lhe repulsa. Ao longo de décadas, porém, seria evocado por socialistas, nazistas e fascistas, cristãos, judeus e ateus. Pensadores, literatos, jornalistas e homens políticos teriam nele um ponto de referencia – atacando ou defendendo sua obra, reivindicando ou exorcizando seu pensamento. Quem julgou compreende-lo equivocou-se a seu respeito; quem não o compreendeu, julgou-o equivocado.
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